segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Então, gostaste de estar em Angola?

Deve ser a pergunta que mais ouço desde que regressei já lá vão seis meses. A resposta contudo, para quem lá passou uns bons anos, surpreende: não.
Gostei de Angola, mas não gostei de estar em Angola. Confuso? Tentemos de outra forma: o saldo da experiência foi positivo, mas não gostei de viver em Angola. A experiência global é francamente positiva, ganhamos uma "bagagem" que jamais ganharemos em Portugal, a experiência profissional é extremamente gratificante e compensadora, mas estar e viver em Angola é desgastante, é cansativo, esgotante mesmo. É um país perito em mostrar-nos que aquela não é a nossa casa, começa logo em Portugal com a aventura do visto (há sempre um papel pedido a mais, que não está nos requisitos no site do consulado, porque é uma "exigência" nova ou o "sistema mudou") e prolonga-se pelas pequenas experiências vividas no dia-a-dia de Luanda e na sua agressiva realidade. O Angolano até é um povo afável, divertido até mais não e que nunca perde a esperança num futuro melhor (aqui temos muito a aprender com eles!). Mas o dia-a-dia é uma luta constante, contra o trânsito, contra a falta de energia eléctrica, contra a falta de água, contra a falta de educação, contra a falta de recursos, contra muitas vezes não sabemos o quê ou quem pois só só sabemos que as coisas não acontecem, mas não sabemos porquê! É o sistema que falta, é o chefe que não está, é o papel que está mal e ainda falta outro papel, é o colega que assina que está preso no trânsito, é porque quem trata disso está incomodado (doente) e não veio trabalhar, é a lei que mudou, enfim qualquer coisa serve, ao ponto de também virmos de lá pós-graduados em desculpas para não fazer nenhum. Cada objectivo alcançado é uma conquista enorme, porque as coisas só acontecem com muito esforço, com muito suor, contra muita contrariedade apenas porque sim...
Mas é tudo isto que nos molda e nos faz crescer. Muito mau mesmo é termos sempre a sensação que não pertencemos ali, que estamos desfasados, que estamos a mais. Mau mesmo é ter sempre uma constante sensação de insegurança. Mau mesmo é ser assaltado mais que uma vez à porta da própria casa à mão armada. Ou ser assaltado mais que uma vez à mão armada enquanto conduzia (uma merda de um Suzuki Jimny, talvez porque o condutor tem uma cor, pois ao lado estava um BMW X5 com um condutor de outro tom de pele a exibir o relógio dourado). E péssimo, pior que isto tudo, é a polícia não estar lá para ajudar, mas apenas para tentar encontrar mil e uma formas de nos sacar uns dólares cada vez que nos manda encostar, ao ponto de não sabermos a quem recorrer em caso de necessidade.
Deixemo-nos de hipocrisias e coloquemos as coisas em pratos limpos: se os rendimentos em Portugal fossem o dobro dos actuais ninguém (ou quase) estaria em Angola. Esta é a verdade nua e crua. "Mas estiveste lá sete anos", afirmam depois as pessoas; pois estive, pois estive... E porque terá sido? Mas, atenção, também digo o inverso: fosse Luanda mais segura, organizada e com mais recursos e já se tinha dado aqui uma debandada geral!

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